sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Abdução

Umberto jurava de pé junto, e sua convicção assustava as outras crianças.

- Tia, eu vi um et. - nessa altura a pequena Yara de 6 aninhos já abrira um berreiro e a professora constrangida lhe amparava os soluços.

- Umberto! Não é legal contar mentiras, você está assustando seus amiguinhos. Peça desculpas, e vá se sentar.

- Mas, tia... é verdade ele tinha uma nave e ele abduziu o meu pai.

As crianças estatelaram com o contra argumento de Umberto, que fez a pobre professora perder a paciência e a pequena Yara se estrebuchar no chão.

- Umberto! Vá já para a sala da coordenadora! - O jovem fez beiço, cruzou os bracinhos curtos e for arrastando chinelo para fora da sala.

 Enquanto caminhava pelo corredor, a choradeira da sala se intensificava.

- Tia o et vai me pegar! - choramingava o pequeno Augusto apavorado abraçando a professora que a essa altura já estava branca, sem saber oque fazer.

- Tia, o João pegou meu lápis! - exclamava Pedro beliscando o colega.

Umberto, bateu à porta da coordenadora que já estava aguardando alguma interferência ao ouvir berros e choradeira ecoando pelos corredores. A mesma abriu a porta em espanto ao fitar a pequena criança.

- Mas, o que você aprontou agora meu pequeno?

- Nada, dona coordenadora a tia me mandou pra cá porque meu pai foi abduzido por um et.

- Um et? - surpreendeu-se a veterana.

- Sim, um extraterrestre foi na minha casa ontem e levou meu pai na sua nave espacial.

- Meu Deus! Umberto! E agora quem vai vir te buscar na escola? - Dona Iraci entrou na onda do garoto para ver até onde ia a sua mentira.

- O et. - disse o garoto tranquilamente.

- Mas, olha só, Umberto acho melhor não, se não ele vai assustar as outras crianças, você não viu como seus amiguinhos ficaram assustados com sua história?

- Hum... é verdade. - fez cara de pensativo.

 - Dona coordenadora, então é melhor a senhora ligar para o meu pai e falar para ele que é melhor o et não vir me buscar.

Dona Iraci estava maravilhada e curiosa com a imaginação do menino, pediu então que a secretária Dona Maristela procurasse o número do pai do rebento.

- Alô? Seu Juracir? Tudo bem? Aqui é a Dona Iraci da escola Santa Helena, estamos ligando para falar sobre o seu filho.

- Aconteceu alguma coisa dona?

- Ele está dizendo que um et abduziu o senhor e que ele virá buscá-lo na escola, o senhor deve entender que esse tipo de história assusta as outras crianças. Acho melhor o senhor ter uma conversa com seu filho quando chegar em casa.

- Ah sim! Entendo.  Não se preocupe, pode deixar que eu vou conversar com ele.

- Ah que bom senhor Juracir, não precisa ser muito rígido com ele, acredito que seu filho tenha a imaginação muito fértil, quem sabe ele não venha a ser um artista... não? - Deu uma risadinha no telefone.

- Pois é dona, eu estava até conversando com o et sobre isso, meu filho realmente é bem criativo.

- Hã? o que disse?- fez-se de desentendida, ignorando a possível brincadeira do senhor responsável.

- Olha dona, eu tenho que desligar agora, verei se tem como eu ir buscá-lo, você sabe né, para não assustar as crianças. - Desligou.

Dona Iraci ficou paralisada ao telefone enquanto o menino puxava a barra de sua blusa.

- E ai tia? Ele falou pro et que horas eu saio?

- Umberto! Chega de gracinhas! Vai ficar na minha sala até seu pai vir lhe buscar. Preciso ter uma conversinha muito séria com vocês!

O período termina, as crianças saem saltitando  para os braços de seus familiares. Dona Iraci está ocupada observando Umberto e elaborando seu projeto de gestão escolar.

De repente alguém bate a porta.

Ao abrir, Dona Iraci estremece inteira, descolando até sua dentadura. Então, uma gélida e metálica voz diz:

- Oi, eu sou o et, o pai do Umberto não pode vir, então, eu vim buscá-lo.

Umberto dá a mão para a criatura alta, cabeçuda e com grandes olhos negros, que com um gesto teletransporta-os, um grande flash de luz dourada preenche a sala por alguns segundos, e os dois somem.

Dona Juraci infarta.



segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Que olhos são esses que olham?

                Eu poderia ter me tornado uma grande empresária, feito uma faculdade "decente",  ser bem estimada do ponto de vista profissional, ter um bom "status", ter amizades influentes e ganhar muito mas, muito dinheiro.  Eram apenas quinze dias longe de casa, eu deveria estar totalmente feliz e despreocupada por conseguir passar um tempo com o lado mais distante da família, mas,  pelo contrário me sentia altamente desestimulada ao ouvir as palavras indóceis dos lábios secos de minha avó - Eu esperava mais de você! Pensei, que você fosse inteligente. Que faria alguma coisa que desse dinheiro. Mas, você resolveu ser professora? - realmente  até eu esperava mais de mim, porém, não por essa linha de pensamento. Eu realmente esperava que eu fosse bem mais capaz de dar à mínima para  o que as outras pessoas pensavam, e certamente dava um valor sentimental maior às decepções causadas pelas pessoas que supostamente deveriam te apoiar e por para cima.

                Sempre fui complicada, incompreendida e socialmente estranha. Todos sempre me admiraram por minha inteligência e capacidade, esforço e seriedade na área estudantil, meus colegas de faculdade conseguiam transparecer as pontinhas de insatisfação com meus dons. Sinceramente? Dons? Nunca me creditei algo positivo de maneira a elevar minha moral, ou estima social, não me esforço para ser o que sou, e se pareço inteligente, ou capaz, realmente não me esforço para isso. Antes que achem que sou uma exibida, devo confessar  que não me considero inteligente ou esforçada, na verdade tudo é muito pesaroso pra mim, carrego o peso da vida a cada inspiração e expiração. Sou uma grande preguiçosa, infantil e teimosa, e além de tantos outros defeitos de uma forma ou outra acabo aparentando algo totalmente diferente, que olhos são esses que olham além do que sou? Ou que olhos são os meus que  me autodeformam?