segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sem mar, sem beira, nem bola.

Ocorreu-me uma daquelas lembranças, que lhe arrancam o folêgo e arremeçam-lhe ao passado.

O sol alto no céu azul esplêndido, não tinha misericórdia dos homens, torrava-lhes a carne, douravam-lhes os cabelos salgados de mar.

Pessoas fartas vestiam roupas de banho minúsculas, eu envergonhado sentindo-me semi-nu, vestia um short de praia com estampas havaianas preso à velcro, marcando minha larga e delineada cintura de tons amadeirados de gente que só toma sol quando vai à praia.

De onde essas pessoas vem? Para onde vão?

Avisto um gordo senhor de sunga vermelha, evidentemente coçavam-lhe os bigodes; Um emanharado de pêlos mistos: brancos, pretos, dourados... Salgados, emplastados de farofa. Podia ainda se ver, se isto vem ao caso, uma uva passa espetada em um dos fios. Agachava-se à beira-mar e lavava-os com água do mar. Seus olhos rijos, duros, de gente que não muda muito de humor, poderia ser o tio da padaria talvez, ou ainda o pai aposentado precocemente por invalidez.

O peitoral peludo, escondia um cardíaco em potencial, não ele não seria uns dos que descrevi. O tio do bigode ajeitou a sunga, que cismava entrar-lhe aos fundilhos, caminhou afundando os calcanhares na areia, balançando suas gelatinosas pernas como se fosse ao todo solto. Chegando ao guarda-sol despendurou uma toalha cinza felpuda, enxugou-se, sentou-se na velha cadeira de praia listrada tipicamente enferrujada nas dobras.

Apalpou sua enorme barriga com as duas mãos, após, jogar a toalha em cima do isopor; Pigarreou, passou uma de suas mãos em sua enrrugada testa removendo o suor, mantendo a outra mão agarrada firmemente ao braço da cadeira, olhou para o sol e lacrimejou, olhou então para seus pés encurvando-se para frente, coçou o queixo soltou uns palavrões e sorriu.

Encostou-se colocando as mãos sobre os braços da cadeira, bocejou ouviu-se a cadeira estalar e adormeceu. De onde veio? Para onde vai?

Arrisquei-me ao mar, pulei algumas ondas; O mar puxava esfomeado arrastando mar adentro pessoas desprovidas da qualidade do nado.

Ondas ameaçavam e cresciam, mergulhei transpassando-as uma a uma por baixo, subi para puxar o abençoado ar da vida, então, veio-me outra inesperada onda, salgou-me os olhos, a boca, os ouvidos, perdi o rumo. Revirei-me uma, duas, três vezes... A terra invadiu-me as narinas, a garganta raspava, as narinas ardiam, os pulmões clamavam por ar, por pouco subi à superficíe.

Nadei rumo à beira, passei a mão ao rosto, tossi, engasguei, expeli na areia o muco salgado, ardiam-me os sentidos, meio tonto voltei para meu lugar na areia aquecida, deparei-me com uma cadeira quebrada, uma multidão curiosa e uma ambulância escandalosa que surgia apressada do desconhecido.

Deitei-me de costas para a areia, olhei para o céu e percebi que algumas nuvens valsavam ao som do caos, respirei fundo, veio-me à mente: De onde veio? Para onde vai?

Vinte minutos voaram, sumiram: guarda-sol, cadeira quebrada, toalha, isopor, sacolas, crianças, senhoras barulhentas, homens com cervejas na mão e senhor com uva passa no bigode.

Passaram-se mais cinco minutos, chega gente diferente, consigo ouvir os tons das vozes distantes, estridentes e mistas, ditraio-me com um avião a passar. Minha garganta seca, minhas costas queimam, periodicamente a claridade me cega.

Chutam uma bola embalada de força, acertam-me as partes sensíveis. O silêncio reina, a dor me faz encurvar, uma moça avermelhada me toca as costas não ouço suas palavras de preocupação:

- Você está bem moço? Desculpe-me, foi sem querer. - Balanço a cabeça afirmativamente, dou um sinal de ok e ela afasta-se.

Procuro minha camisa, calço meus chinelos e vou-me embora. Meio tonto arrisco olhar para trás e dar um sorriso, percebo que todos me olham. Viro-me, continuo a andar pensando em coisas sem sentido.

Deparo-me com uma barraca, morto de sede, continuo meu caminho até o quisque de um conhecido meu, aproveito e bebo uma água gelada, pego o resto de minhas coisas e continuo rumo ao carro. Sento-me no banco da frente, reencosto minha cabeça, respiro fundo, fecho os olhos e recordo-me do caos.

Já ouvi e vi o bastante, essa coisa de praia, sol e mar é mais uma bobagem americanizada.

Está decidido vou-me embora para casa; 600km rumo ao interior paulista, aonde uns devoram os outros, onde um boato repercurte a cidade inteira, aonde o tio do bigode seria eternamente lembrado e o lugar de sua morte mistificado, sem mar, sem beira, nem bola.

Apenas a paz do interior contrastada com o caos dos homens. Sem sal, sem uva passa, nem cadeira quebrada, onde minha rede aguarda-me e o meu cão repousa.